Impasse na Justiça Eleitoral de SP trava andamento de processo contra Marçal por laudo falso sobre Boulos na eleição de 2024


O ex-candidato à Prefeitura de SP Pablo Marçal (PRTB) durante o debate da revista Veja. Ele também divulgou laudo falso contra Boulos a dois dias do 1° turno em SP.
Montagem/g1/Reprodução
Um conflito de competências sobre a cidade onde o crime de divulgação de laudo falso foi cometido paralisa o processo movido por Guilherme Boulos (PSOL) contra Pablo Marçal (PRTB) no Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP).
Marçal é acusado por Boulos de fabricar e divulgar um laudo falso atestando que ele seria usuário de cocaína a dois dias do primeiro turno da eleição para prefeito de São Paulo, em outubro de 2024. Ambos eram candidatos a prefeito naquele momento.
Há mais de dois meses, o Ministério Público Eleitoral (MPE) ofereceu denúncia contra o então candidato do PRTB pedindo a condenação dele a até cinco anos de prisão (leia mais abaixo), mas a Justiça Eleitoral ainda não decidiu nem sequer sobre o juiz competente para apreciar o caso.
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O processo estava em segredo de Justiça, mas por se tratar de um caso de grande repercussão, os autos foram liberados para consulta assim que o MPE apresentou denúncia à Justiça contra Marçal, o advogado dele e um biomédico acusado de envolvimento na fraude.
O documento do MPE foi apresentado à 1ª Vara Eleitoral da capital, mas o juiz revisor de garantias apontou que o crime foi cometido na cidade de Barueri, na Grande SP, onde o ex-coach mora com a família.
Assinatura de laudo publicado por Marçal é falso, aponta perícia
O atraso chama a atenção porque a Justiça Eleitoral costuma ser célere nos processos fora do período eleitoral. O próprio Pablo Marçal já foi condenado três vezes em outros processos cometidos na mesma época e foi declarado inelegível pelo TRE-SP até 2032. Cabem recursos às três ações.
O vereador Rubinho Nunes (União Brasil), que também está sendo julgado em outro processo pelo crime de compartilhamento do mesmo laudo falsificado, também já foi condenado em primeira Instância a perder o mandato, enquanto o autor real da postagem não foi julgado.
Paralisação processual
Prédio do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP), no Centro da capital paulista.
Divulgação/TRE-SP
O juiz eleitoral de garantias Rodrigo Capez, da capital, decidiu enviar o processo para Barueri em junho. Segundo ele, a própria denúncia do Ministério Público Eleitoral afirma que o crime mais grave — o uso de um documento falso para fins eleitorais — aconteceu em Barueri. Por isso, caberia à Justiça Eleitoral de lá decidir se ficaria com o caso ou se enviaria para outro local.
A juíza de Barueri, Cecília Nair Siqueira Prado Euzebio, concordou com o parecer do MPE, mas devolveu o processo para São Paulo. Segundo ela, o crime se consumou no momento em que o atestado falso foi exibido no podcast Inteligência Ltda, em 4 de outubro de 2024. Como o programa foi gravado na capital paulista, a juíza entendeu que cabe a São Paulo julgar o caso.
Com a devolução, o juiz Augusto Lepage, da capital, acionou o Tribunal Regional Eleitoral de SP em 18 de junho para resolver o impasse. Agora, caberá aos desembargadores decidir qual juízo será responsável pelo processo contra Marçal.
Esse tipo de impasse entre juízes é chamado na Justiça Eleitoral de “conflito negativo de competência”.
Pablo Marçal (PRTB) durante debate entre candidatos à Prefeitura de SP
Fábio Tito/g1
“Com o devido respeito, equivoca-se o juízo da Zona Eleitoral de Barueri, que está a inovar em relação à denúncia. É a peça acusatória quem define provisoriamente o local e oportunidade do crime. (…) O caso é grave, de repercussão midiática e não interessa ao prestígio da Justiça Eleitoral que os autos permaneçam transitando por diversos órgãos jurisdicionais sem definição da competência”, escreveu Augusto Lepage.
O g1 procurou o TRE-SP, que disse que conflitos de competência não são incomuns na Justiça eleitoral e que o tribunal vai escolher um desembargador pare entender o problema. Esse relator será responsável por elaborar um parecer, que será levado para votação dos membros do plenário da Corte eleitoral. Este colegiado que determinará a vara em que serão julgados os supostos crimes cometidos pelo ex-coach.
Por meio de nota, o tribunal também disse que a Corte não se manifesta sobre casos concretos que esteja julgando.
O g1 também procurou os advogados de Guilherme Boulos (PSOL) e Pablo Marçal (PRTB), mas não teve retorno até a última atualização desta reportagem.
Sessão plenária do Tribunal Regional Eleitoral do Estado de São Paulo (TRE-SP)
Ítalo Leite/TRE-SP
Denúncia do MP
Em 29 de maio, a promotora eleitoral Iane do Lago Nogueira Cavalcante Reis apresentou denúncia contra Marçal e o advogado dele, Tássio Renan Souza Botelho, por vários crimes relacionados à divulgação e confecção do laudo falso contra Boulos (PSOL).
Na denúncia, a promotora pede que Marçal seja enquadrado em ao menos seis artigos do Código Eleitoral e do Código Penal.
Dois deles têm penas de reclusão que variam de três meses a cinco anos de prisão, com um terceiro pedindo que essas penas sejam cumpridas em regime privado de liberdade [regime fechado]. São eles:
Art. 325 (Código Eleitoral) – Difamar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação: Pena – detenção de três meses a um ano, e pagamento de 5 a 30 dias-multa;
Art. 327 (Código Eleitoral) – Acréscimo de um terço (1/3) da pena por se tratar de difamação contra funcionário público;
Art. 349 (Código Eleitoral) – Falsificar, no todo ou em parte, documento particular ou alterar documento particular verdadeiro, para fins eleitorais: Pena – reclusão até cinco anos e pagamento de 3 a 10 dias-multa;
Art. 353 (Código Eleitoral) – Fazer uso de qualquer dos documentos falsificados ou alterados, a que se referem os artigos 348 a 352;
Artigo 29 (Código Penal) – Dispõe sobre o compartilhamento de responsabilidade pela confecção do laudo falso e sua divulgação;
Artigo 69 (Código Penal) – Dispõe sobre a obrigatoriedade de cumprimento de prisão em regime privado de liberdade quando um ou mais crimes são cometidos.
Denúncia do MP Eleitoral contra Pablo Marçal e mais duas pessoas, por causa de laudo falso contra Guilherme Boulos (PSOL).
Reprodução
Indiciamento
Devido ao laudo falsificado, a Polícia Federal indiciou Marçal em 8 de novembro do ano passado pelo crime de uso de documento falso.
Em depoimento que durou cerca de 3 horas na Superintendência Regional da PF, na Lapa, Zona Oeste de São Paulo, Marçal negou qualquer envolvimento no episódio e disse que o suposto documento foi postado pela equipe dele.
Procurada, a assessoria do empresário afirmou à época que ele será declarado inocente no caso.
“É nítido como a velocidade do julgamento moral para aqueles que se identificam com a direita é significativamente mais rápido. Nunca testemunhei uma resposta tão célere em uma investigação como essa. O fato aconteceu no dia 04 de outubro e o indiciamento foi realizado em apenas 34 dias, um verdadeiro recorde. Isso nos leva a crer que, em um tempo ainda menor, seremos declarados inocentes. Sigo acreditando na Justiça, no Brasil e, acima de tudo, no nosso povo”, dizia o comunicado.
Justiça determina suspensão do perfil de Marçal no Instagram após divulgação de laudo falso
Os peritos da PF investigaram e compararam várias assinaturas ao longo de vários anos do médico José Roberto de Souza, CRM 17064-SP, que aparece como o responsável pelo suposto documento.
É #FAKE o laudo que Marçal usou para acusar Boulos de uso de drogas
O médico morreu em 2022 e, segundo a filha, a oftalmologista Aline Garcia Souza, o pai nunca trabalhou na clínica Mais Consulta, na cidade de São Paulo, e jamais fez esse tipo de atendimento clínico de pessoas com dependência química.
Na conclusão grafotécnica, os peritos científicos da PF afirmaram que as duas assinaturas não foram produzidas pela mesma pessoa.
Peritos da PF analisaram a assinatura real do médico José Roberto de Souza com a que consta no documento falso publicada por Pablo Marçal.
Reprodução
“Verificou-se a prevalência das dissimilaridades entre a assinatura questionada e os padrões apresentados, tanto nas formas gráficas, quanto em suas gêneses, não havendo evidências de que tais grafismos tenham sido escritos por uma mesma pessoa. As evidências suportam fortemente a hipótese de que os manuscritos questionados não foram produzidos pela mesma pessoa que forneceu os padrões”, disseram os peritos.
Laudo falso de Marçal
Arte g1
Luiz Teixeira da Silva Junior, sócio da clínica Mais Consultas, afirmou que nunca atendeu o deputado e negou ter participado da elaboração do documento. Em nota, o empresário disse que seu nome e o de suas empresas foram utilizados sem o seu consentimento “por pessoa que lhe é desconhecida”.
Silva Junior já foi condenado por falsificar diploma de curso de medicina e ata de colação de grau.
Em sua conta no Instagram, que foi desativada após a repercussão do falso documento, ele se apresentava como patologista clínico, perito judicial, escritor, diplomata adido de saúde e aparecia ao lado de famosos, entre eles, Marçal.
Na foto ao lado do ex-coach, usava um jaleco com o símbolo do Hospital Albert Einstein (veja foto abaixo). Em nota, o hospital informou que “o profissional em questão nunca atuou em suas unidades ou em qualquer outra atividade administrada pelo Einstein.
Marçal ao lado de Luiz
Reprodução/Instagram
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