‘Ibrahim Traoré é a continuidade da revolução em Burkina Faso’, diz irmão de líder pan-africanista Thomas Sankara

Estamos em frente ao Memorial Thomas Sankara, em Uagadugu, capital de Burkina Faso. Inaugurado em 17 de maio na presença de vários chefes de Estado e personalidades africanas, o local simboliza a vontade coletiva de perpetuar a memória do líder pan-africanista burkinabé Thomas Sankara e de seus 12 companheiros assassinados durante o golpe de Estado de 1987.

O massacre orquestrado pelo até então colega Blaise Compaoré, que se tornou presidente e presidiu o país até 2014 com apoio da França, interrompeu uma série de reformas para erradicar as mazelas do neocolonialismo no país do Sahel.

Em apenas 4 anos, Sankara distribuiu terras aos camponeses e elevou a taxa de alfabetização de 13% em 1983 para 73% em 1987. A transformação radical se estendeu à saúde pública, onde 2,5 milhões de crianças foram vacinadas contra meningite, febre amarela e sarampo.

Na fachada do memorial, construído no mesmo local onde foi executado o líder revolucionário que mudou o nome do país, da colonial República do Alto Volta para Burkina Faso, a “Terra dos Homens Íntegros”, um homem aposentado aparece ajudando outros colegas a reformar a calçada do local. 

Ele é Valentin Sankara, irmão mais novo do ex-presidente da nação africana entre 1983 e 1987. Mas ao receber o Brasil de Fato, Valentin agradece a outro capitão, que é o responsável pela inauguração do espaço onde hoje trabalha.

“Isso é incrível. Nos deixou aliviados. Estamos felizes. Sabemos que o capitão pensou em todos aqueles que tombaram em 15 de outubro para realizar isso, realmente é uma alegria para nós, e para toda as famílias dos falecidos”, compartilha com a reportagem.

Ibrahim Traoré e a continuidade da revolução de 1983

O capitão a quem Valentin se refere é o atual chefe de estado do país, Ibrahim Traoré, rosto mais popular da Aliança dos Estados do Sahel (AES), bloco de países formado por Burkina Faso, Níger e Mali, que lidera um movimento de ruptura com as potências ocidentais no continente, principalmente a França.  

Em 30 de setembro de 2022, em um contexto de insegurança e descrédito na atuação de militares franceses no enfrentamento ao terrorismo fundamentalista de milícias islâmicas no Sahel, o militar, então com 34 anos, liderou um levante que depôs o líder militar Paul-Henri Damiba e emergiu como esperança de soberania real ao país. 

Em poucos meses, com apoio massivo do povo burkinabé nas ruas, o governo de Traoré expulsou o exército francês de Burkina Faso e encerrou acordos militares e econômicos históricos com Paris e empresas estrangeiras de seu antigo colonizador.  

Traoré é amplamente celebrado pela população burkinabé, principalmente entre os jovens com menos de 25 anos, que representam 65% da população. Crédito: Governo de Burkina Faso

A relação com o passado revolucionário do país é explícita. Assim como na década de 1980, Ibrahim Traoré mais uma vez nacionalizou reservas de ouro – o país é o quarto maior produtor mundial do metal -, articula medidas para se desvincular da moeda francesa, o franco CFA, e coloca em prática um audacioso plano de industrialização e expansão agrícola. Ao longo dos últimos dois anos, retratos e frases icônicas de Thomas Sankara também acompanham discursos e aparições públicas do novo líder.

Valentin Sankara vê no país hoje a retomada da Revolução Democrática e Popular (RDP) iniciada por seu irmão em 4 de agosto de 1983, há 42 anos.

“É claro. Vocês veem as realizações que estão sendo concretizadas hoje em Burkina Faso, isso mostra que ele (Traoré) é sincero. Não é ‘eu vou fazer’, ‘eu vou’, não, são coisas concretas. Vocês veem, há obras por toda parte, estamos construindo ali, colocando os blocos, os paralelepípedos, não poderíamos pedir algo melhor. Se você pode fazer, se você pode realizar algo e realmente prova isso, as pessoas vão aderir sem questionar. É assim que funciona. Hoje, as pessoas estão prontas para contribuir para o desenvolvimento do país. Isso é visível. Não é invenção, são coisas concretas”, opina Sankara.

Crescimento econômico do país

Dados do Banco Mundial divulgados em meados de julho revelaram um crescimento econômico em Burkina Faso que passou de 3% em 2023 para 4,9% em 2024. A melhoria na segurança em diversas regiões do país e o forte impulso estatal na autossuficiência alimentar é o que explicam parte do crescimento nos índices, segundo o organismo financeiro ocidental.  

De acordo com o anúncio do Banco Mundial, mais de 700 mil pessoas em todo o país deixaram a extrema pobreza somente nos últimos 12 meses. “Todo o trabalho que estamos realizando é uma contribuição de toda a população burkinabé”, sintetiza Valentin Sankara.

Neste 4 de agosto (5), Traoré enalteceu o caráter popular do processo liderado por Sankara décadas atrás. Segundo o atual líder do país, a “vontade popular” que ajudou a construir “uma nação orgulhosa, livre e soberana” é restaurada hoje na Revolução Progressista Popular (RPP), inaugurada em abril de 2025, e construída “à imagem” da Revolução Democrática e Popular de 1983.

“Comprometidos e determinados, tal como os nossos valentes antepassados, venceremos o imperialismo para que o Burkina Faso prospere”, publicou Traoré em uma rede social, celebrando o aos 42 anos da revolução.

Educação, reforma agrária, saúde e direito das mulheres estavam entre os pilares do projeto revolucionário de Thomas Sankara | Pascal George/AFP

Revolução de 1983

“Na verdade, ele era um homem sincero, ele era excepcional, não gostava de injustiça, mesmo em casa, com a gente, seus irmãos e irmãs, ele não gostava de injustiça, posso dizer que foi seu comportamento que fez com que ele talvez tenha assumido o poder.  Ele não gostava de ver como os africanos estavam sendo tratados”, relembra Valentin.  

Ao traçar uma perspectiva de futuro para seu país, Valentin Sankara faz um forte apelo para que Burkina Faso recupere plenamente a soberania, em harmonia com os ideais revolucionários implementados por seu irmão.

Dizendo a famosa frase: “Quem te alimenta, te controla”, Thomas Sankara estimulou as nações africanas a se unirem para repudiar a dívida externa, sendo o primeiro governante africano a romper os laços com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Durante seu mandato, também reduziu seu próprio salário e limitou seus bens a apenas um carro, quatro bicicletas, guitarras, uma geladeira e um freezer.

“É um senhor que chegou e assumiu o poder para todos os burkinabés, não para a sua família. A prova disso é que nós estamos aqui”, conta Valentin.

E arremata: “Poucas pessoas compreendiam o que era a revolução, o que ele queria fazer. Foi mais tarde que as pessoas compreenderam a voz que ele tinha, que ele assumiu, que ele emprestou ao país. É por isso que hoje em dia muitos burkinabés estão junto com o capitão Ibrahim Traoré”.

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