População em situação de rua ganha hotel social no DF, mas movimentos cobram política habitacional

O Governo do Distrito Federal (GDF) inaugurou no último mês, em 24 de julho, o primeiro Hotel Social permanente da capital, localizado no Setor de Armazenagem e Abastecimento Norte (Saan). O espaço  tem a capacidade de receber 200 pessoas por pernoite, visando acolhimento e a possibilidade de entrada de animais de estimação, medida vista como avanço na gestão. O Hotel fica aberto das 19h às 8h, garantindo aos visitantes local para dormir, banho quente e duas refeições, jantar e café da manhã. Também são disponibilizados ônibus para quem deseja chegar ao local, saindo do Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro Pop), na Asa Sul.

Na primeira semana, após inaugurado, o local passou a marca de 1000 atendimentos, segundo o GDF. A média foi de 130 atendimentos diários, representando 65% da capacidade do local. A previsão é que sejam investidos anualmente cerca de R$ 7,4 milhões no projeto. Além disso, o Governo anunciou que está em curso a ampliação do projeto para a cidade de Taguatinga.  A ação é uma parceria do GDF com o Supremo Tribunal Federal (STF) e com o Ministério Público do DF (MPDFT). 

Apesar dos avanços, para movimentos populares, a ação é isolada e não enfrenta a raiz do problema. Segundo o 2º Censo Distrital da População em Situação de Rua, divulgado pelo Instituto de Pesquisa e Estatística do DF (IPEDF), o número de pessoas vivendo nas ruas aumentou quase 19,8% entre 2022 e 2025, chegando a 3.521 pessoas. O dado contrasta com a redução de 50% no número de crianças e adolescentes nessa condição, de 244 para 121.

A iniciativa faz parte do plano de acolhimento da população de situação de rua, que foi tratado diretamente com o Supremo Tribunal Federal e com o Ministério Público do Distrito Federal. Foto: Agência Brasília

Falta integração entre política

Para Rafael Reis, diretor-presidente do Instituto No Setor, organização que atua desde 2017 com geração de renda e assistência no Setor Comercial Sul, o problema vai além da ausência de abrigo: falta coordenação entre os órgãos do GDF e alinhamento com a política nacional voltada à população de rua.

“Os serviços, embora existam, são afetados pelo próprio Estado. Temos provocado muito o poder público sobre a importância de integrar as políticas públicas e discutir com seriedade essa dinâmica que não assola só Brasília, mas todo o Brasil e grandes metrópoles”, afirma.

Rafael destaca que o DF ainda carece de coordenação para consolidar ações estruturantes. “Temos exemplos premiados, como o programa ‘Braços Abertos’ em São Paulo, que criou um grupo de trabalho com representantes de todos os órgãos da prefeitura e uma coordenação central. Aqui, não vemos isso. Cada secretaria atua de forma isolada. Falta articulação para evitar sobreposição e para que cada órgão ofereça o melhor que tem.”

Reis também comenta sobre a não integração do governo local a políticas nacionais voltadas à população em situação de rua. “O governo tem tido algumas iniciativas, tanto o federal quanto o distrital, mas o que percebemos é a falta de diálogo e de integração entre as políticas públicas. O governo federal, provocado pelo ministro Alexandre de Moraes, apresentou o plano ‘Ruas Visíveis’, que tem todas as diretrizes que precisam ser seguidas. O GDF precisa se apropriar desse plano, e o governo federal precisa monitorar sua execução”, diz. 

Por outro lado, ele considera o hotel social um avanço, mas limitado. “Ainda há falta de coordenação e de integração. Todas as secretarias e órgãos do GDF têm um papel a cumprir. Precisamos de uma política pública integrada, com soluções em saúde, moradia, cultura, assistência e trabalho,” finaliza. 

Moradia e autonomia, não só acolhimento

Joana Basílio, coordenadora do Movimento Nacional da População em Situação de Rua no DF, considera que políticas como o hotel social não enfrentam o problema central: a ausência de moradia digna e políticas de autonomia.

“A única política que chega na ponta é a polícia — que vem para retirar as pessoas. O GDF criou políticas com muito investimento, como o Acolhe DF, mas que não trazem respostas reais. Comunidades terapêuticas, por exemplo, não respondem à realidade das pessoas em situação de rua,” ressalta.

Segundo ela, políticas de moradia para a população em situação de rua não é prioridade para o governo. “Parece que o governo acha que, com o hotel, resolveu a moradia. E não resolveu. Não há política de habitação popular para essa população. A maioria só precisa de oportunidade e de políticas públicas de verdade.”

Emprego e renda para vulneráveis 

Apenas 1% da população em situação de rua no Distrito Federal possui carteira de trabalho assinada, de acordo com os estudos da Codeplan | Edson Lopes Jr./Fotos Públicas

Outro ponto em debate é a geração de renda e trabalho para a população em situação de rua. A  legislação distrital prevê que 2% das vagas em obras públicas sejam reservadas à essa população, no entanto, na prática, esse direito tem sido pouco acessado. 

O agente cultural Paulo Henrique, do projeto Pop Rua DF, ressalta que, antes mesmo da moradia, é urgente garantir oportunidades de geração de renda e trabalho deve ser o primeiro passo para reconstruir vidas. “A gente fala muito sobre moradia, mas não tem como dar moradia para uma pessoa que não consegue se sustentar. Falta oportunidade. A pessoa em situação de rua já é criminalizada só por existir. E há muita gente capacitada na rua, com experiência de mercado. Falta dar chance.”

Ele defende o cumprimento da legislação que prevê cota de 2% das vagas em obras públicas para a população em situação de rua. “Hoje meu foco é dar oportunidade para essa galera. Se a gente abrir uma porta, tenho certeza que muita vida pode ser transformada. Mas, para isso acontecer, precisamos de parceria do Estado. É preciso garantir essa cota, nas empresas, nas obras.”

Joana Basílio também observa que é necessário garantir uma estrutura para que homens e mulheres em situação de rua permaneçam nos empregos.  “A pessoa é inserida na vaga, mas sem suporte. Quem está sem dormir direito, sem roupa para trabalhar, como vai manter um emprego? Aí dizem que a pessoa não quer trabalhar. Falta estrutura, não vontade.”

O que diz o GDF

O GDF afirma ter ampliado ações para pessoas em situação de rua, mas ainda levanta dados sobre os investimentos entre 2021 e 2024, assim como a previsão orçamentária para 2025. 

A Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes) também informou que tem promovido ações desde o lançamento do Plano Distrital para a População em Situação de Rua,  como o acesso gratuito a refeições em restaurantes comunitários, abrigo provisório em ginásio esportivo, além da implantação do Hotel Social, entre outros.

Outras medidas citadas incluem a ampliação de acolhimento e oferta de serviços nas áreas de saúde, habitação, emprego, capacitação e benefícios sociais.

A Casa Civil também destacou que o DF conta hoje com 15 pessoas em situação de rua empregadas em cargos comissionados e quase 50 trabalhadores vinculados a contratos do Serviço de Limpeza Urbana. Sobre o programa federal Ruas Visíveis, o GDF diz que analisa a adesão, mas já possui plano próprio.

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