
Neste Dia dos Pais, um exemplo ganha forma no poeta, professor, ficcionista, desenhista, compositor e editor Roberval Pereyr, de 71 anos, que fez da própria casa um berço de sensibilidade e expressão cultural.
Nascido na zona rural de Antônio Cardoso e radicado em Feira desde os anos 1960, Roberval é pai de seis filhos, três homens e três mulheres entre eles, a cantora e compositora Carol Pereyr e o pianista e produtor cultural Tito Pereira, nomes que se destacam na cena artística local e nacional. Ao lado de outros filhos igualmente sensíveis à arte, ele plantou, com liberdade e amor, as sementes de um ambiente onde o talento floresceu de forma natural.

“Desde pequenos eles sempre tiveram um ambiente de biblioteca, de música popular brasileira de todas as regiões. E como eles tinham vocação natural para ser músicos, isso aí para eles foi uma coisa que eles mesmos declaram que foi muito benéfica. Embora eu nunca tenha dito a eles que tinham que ler, ou que eles tinham que ser músicos ou que tinham que ir pela área cultural e artística, isso foi uma escolha deles. Eu apenas disponibilizei para eles o que eu tinha de conhecimento, de biblioteca e de discoteca e eles fizeram um ótimo proveito disso e desde cedo manifestaram e abraçaram esse talento. Até os que não estão trabalhando diretamente com a arte, valorizam, atuam e têm uma sensibilidade apurada”, compartilhou.
Um pai, um professor, um criador
Roberval foi um dos primeiros estudantes da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs), onde mais tarde se tornaria professor por mais de três décadas. Lecionou teoria da literatura, concluiu mestrado na Ufba e doutorado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Segundo o professor, mais do que ensinar, ele vivia cada aula como um ato de criação.
“Tudo o que eu faço é como criador. Eu me sinto criador mesmo ao olhar uma árvore ou ao interagir com meus alunos. E, claro, também como pai. Gerar meus filhos com minha mulher foi minha maior criação e isso também é uma participação no mistério da criação. Tive a sorte de meus filhos também, quase todos eles, serem criadores artísticos, que tem tudo a ver com a minha área. O fundamental na minha vida foi atuar como criador, mesmo quando não estava criando arte, mas sobretudo quando estou atuando no campo da criação artística”, contou.
O professor destacou ao Acorda Cidade que seus filhos cresceram cercados por discos de música popular brasileira e livros de literatura. E a influência foi tamanha que, dos cinco filhos do segundo casamento, três seguiram profissionalmente a música: Tito, Carol e Camila Gonçalves, que é casada com o músico Marcel Torres. Outros dois, Verena e Vinícius, também flertaram com a arte, embora tenham seguido outros caminhos profissionais.
“Há cinco anos e meio, perdi minha esposa. Desde então, moro sozinho em minha casa, na companhia da minha filha caçula, Verena, que está prestes a se casar. Apesar da solidão e da falta que sinto, me mantenho vivo e em movimento. Tenho um filho do primeiro casamento, Anax, que aprecia a arte, gosta de tudo, mas não pratica nenhuma linguagem artística. Já os cinco filhos do segundo casamento, Tito Pereira, Carol Pereyr, Camila Gonçalves, Vinícius Gonçalves e Verena Gonçalves, todos manifestaram, desde cedo, talento musical”, elencou.
Desses cinco, três se tornaram músicos profissionais: Tito Pereira, que concluiu recentemente o mestrado em música na Ufba, Carol Pereyr, que tem uma carreira consolidada e já se apresentou inclusive fora do Brasil e Camila Gonçalves.
“Tito, por exemplo, com nove meses já assoviava músicas. Com três anos, compôs um samba de breque. Carol, aos 16, gravou uma música para o Festival de Talentos do Faustão e chegou à final. Eles manifestaram cedo esse talento e o abraçaram com seriedade e paixão. Vinícius Gonçalves chegou a tocar profissionalmente, mas hoje trabalha como gerente de uma agência do Banco do Brasil, em Riachão. Já Verena, que vive comigo, fez parte de bandas, canta e toca, mas optou por outra carreira e atualmente é advogada”.
Uma visão crítica e poética do mundo
Refletindo sobre a figura paterna, Roberval toca em um ponto sensível: ser pai é também continuar sendo filho, mesmo depois da ausência física dos próprios pais.
“O pai é sempre filho de alguém. Mesmo com o pai da gente já tendo desaparecido, a influência continua. Mas é preciso cuidado para que essa influência não seja castradora. Tem que ser uma influência que mesmo em alguns momentos tem que ser enérgica, que ela não seja uma influência demolidora, devastadora e castradora, como a gente vê personalidades aí completamente destruídas por pais autoritários ou sem perícia no tratamento com os filhos. Não é fácil para ninguém, é um aprendizado da vida inteira.
Observador atento do presente, Roberval faz uma crítica à superficialidade dos tempos atuais, dominados pela tecnologia e pela hiperexposição das redes sociais.
“As pessoas estão se despersonalizando. Eu pensei que a internet daria liberdade individual, mas percebi que ela está sendo usada para manipular cada um separadamente. Eu acho que isso agravou mais ainda a situação do ser humano, de modo que o que eu sugiro como cidadão é que as pessoas usem, e não sejam usadas pelas redes, que elas procurem ver mais a realidade. Olhar mais uma paisagem, olhar um inseto, olhar uma árvore, curtir o sol, a brisa, conversar com as pessoas pessoalmente e não um ao lado do outro conversando através do celular para sentir mais a realidade da vida. A vida passa muito rapidamente. Eu me lembro que Oscar Niemeyer, com 102 anos de idade disse que não podemos perder um minuto, porque a vida passa num triscar de dedo. E a vida passa realmente muito rápido. Se a gente perder, perdeu”, frisou.
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