Se as big techs ganham na educação, escolas públicas tornam-se reféns de plataformas que exigem cadastro em redes sociais e coleta de dados de menores de idade. Se ganham na saúde, prontuários e históricos clínicos acabam armazenados fora do país, em nuvens inacessíveis ao controle social. Se dominam a comunicação, a relação entre Estado e cidadão passa a ocorrer via WhatsApp e Instagram, que não operam pautadas pelos princípios dos direitos civis, mas obedecem a algoritmos, sob regras comerciais definidas em escritórios estrangeiros.
Se as big techs vencem nas compras públicas, órgãos governamentais param de investir em soluções nacionais e passam a alugar, indefinidamente, o acesso à tecnologia. E se ganham na inteligência artificial, os dados dos brasileiros vão alimentar modelos globais, sem que nós participemos das decisões sobre os usos dessas informações. Se as big techs ganham, o país segue como consumidor passivo, sem autonomia técnica ou política. Para mim, essa é a definição de uma relação abusiva.
O que antes parecia uma crítica genérica, agora se materializou em números concretos, graças a pesquisadores da UNB e da USP. Segundo levantamento de Cugler, Rocha, Vaz, Veneziani e Modanez, entre 2014 e 2025 o setor público brasileiro firmou mais de R$ 23 bilhões em contratos com empresas de tecnologia estrangeiras. Só entre junho de 2024 e junho de 2025, foram mais de R$ 10,3 bilhões em licenças de software, serviços de nuvem e soluções de segurança.
Esse volume de recursos não impulsionou o desenvolvimento nacional. Ao contrário, aprofundou a dependência. O Brasil deixou de investir em centros de dados próprios, em ecossistemas de software livre e em soluções públicas interoperáveis. Em vez disso, segue alugando sua infraestrutura digital mês após mês, como um inquilino que nunca terá as chaves da própria casa. Com os R$ 23 bilhões já comprometidos, o país poderia ter construído 86 data centers públicos de alta disponibilidade, sob jurisdição nacional.
Boa parte desses contratos não é firmada diretamente com as big techs, mas por meio de revendedores nacionais, o que encarece as aquisições e dificulta o rastreamento de valores. Além disso, muitos serviços envolvem dados sensíveis de cidadãos e órgãos públicos, armazenados em servidores fora do Brasil, sujeitos a legislações como o Cloud Act, dos Estados Unidos, que permite acesso direto às informações por agências estrangeiras — sem consentimento ou notificação.
A cada contrato renovado com big techs estrangeiras, o Brasil não apenas transfere bilhões de reais para o exterior, ele perde anos irreversíveis de desenvolvimento tecnológico nacional. Precisamos aprender com o exemplo da França, por exemplo, que, para reduzir a dependência de plataformas estrangeiras, adotou o protocolo aberto de mensagens Matrix e desenvolveu o Tchap, um sistema seguro de comunicação para órgãos públicos. Ao optar por uma tecnologia auditável e federada, a França mantém controle sobre seus dados e evita que informações sensíveis fiquem em servidores sob jurisdição de outros países.
Que tipo de futuro queremos? Um país que desenvolve suas próprias soluções ou uma nação eternamente inquilina de sua própria infraestrutura digital?

**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.
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