‘Trem da Morte’: como vagões que faziam viagem perigosa entre Brasil e Bolívia viraram atração turística no interior de SP


‘Trem da Morte’: veja motivo do ‘terrível’ apelido para os vagões que iam até a Bolívia
O apelido é assustador e faz parte da memória ferroviária da América do Sul. Conhecido como “Trem da Morte”, o comboio que ligava Três Lagoas (MS) a Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, carrega histórias de precariedade e risco. Atualmente, a composição carrega turistas pelo interior de São Paulo.
Nove de seus carros de passageiros, fabricados no Brasil entre as décadas de 1930 e 1940, sobreviveram ao tempo e hoje estão em Campinas (SP), onde passaram por um processo de restauração que resgata as características originais.
As peças históricas fazem parte do acervo da Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF) e estão abertas ao público em passeios turísticos que partem da Estação Anhumas. O restauro foi concluído em julho de 2025, após 120 dias de trabalho para devolver aos carros o visual de quando faziam viagens internacionais.
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Mas por que ‘Trem da Morte’?
‘Trem da Morte’: veja imagens do carro de passageiros após restauração
Membro do Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas (Condepacc), o historiador e pesquisador Henrique Annunziata explica que o apelido surgiu no trecho boliviano do trajeto.
Enquanto no Brasil a linha era conhecida como “Trem do Pantanal”, na Bolívia passou a ser chamada de “Trem da Morte” devido à precariedade sanitária e estrutural.
Segundo ele, a construção da ferrovia no país vizinho foi difícil porque ocorreu sobre a instabilidade geológica e lutou contra a falta de recursos e muitas mortes de trabalhadores.
“O ato de construir foi mais difícil ainda, então se perdia o terreno, se perdia o material, dormentes, trilhos, se desmoronavam. A instabilidade geológica da área também não ajudava muito. Então muitos trabalhadores, mais do lado boliviano, acabaram morrendo”, comentou o historiador.
Quando os trens começaram a circular, a situação não melhorou: faltava água, higiene nos carros-restaurante e limpeza dos banheiros, o que favorecia a disseminação de doenças como febre amarela, cólera e meningite.
“Essa condição adversa de higiene mais a situação natural da área de doenças transmissíveis, principalmente por patologias de vírus, transformou essa questão no “Trem da Morte”, disse o historiador.
“Porque você sabia que o trem de Bauru até Corumbá chegaria bem, mas passando para Santa Cruz de la Sierra, aí já não dava para saber se você ia chegar vivo ou não”, explicou Henrique.
Além da saúde, havia ainda os riscos técnicos. Segundo o historiador, trilhos mal assentados provocavam descarrilamentos, e machucavam frequentemente os passageiros.
“Pela precariedade do sistema feito pela estrada de ferro da Bolívia tinha muito acidente, então descarrilhava, caia fora da linha, as pessoas se machucavam. Muita morte pela construção técnica da estrada de ferro da Bolívia”, comentou o historiador.
Como surgiu a linha? 🚂
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Segundo o historiador, a origem do “Trem da Morte” está ligada à Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, inaugurada em 1906, que partia de Bauru (SP) em direção ao Mato Grosso, mas em uma área que atualmente faz parte do estado do Mato Grosso do Sul.
A ferrovia foi construída para expandir a ocupação do interior e chegou até Corumbá por volta de 1950.
Do outro lado da fronteira, a Bolívia iniciou sua própria linha entre Santa Cruz de la Sierra e Corumbá por volta de 1907. Em 1950, as duas ferrovias foram unificadas, permitindo a primeira ligação internacional por trilhos entre os dois países.
De Bauru para Campinas
Hélio Gazetta Filho, diretor administrativo da regional de Campinas da ABPF, afirma que o vagão que hoje está em Campinas foi fabricado em Bauru (SP), sede da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, e circulou em viagens internacionais até a Bolívia.
Com a modernização da frota, os carros de madeira foram retirados de serviço no fim dos anos 1980. Para evitar a demolição, a ABPF conseguiu junto à Rede Ferroviária Federal a cessão de dez unidades, em 1987 e 1988.
“O passeio Campinas-Jaguariúna estava começando. E a gestão da ABPF, na época, conseguiu, junto à rede ferroviária federal, a cessão desses carros de passageiro. Eles iam ser demolidos”, comentou Hélio, que é voluntário da associação há quatro décadas.
Em 2025, nove deles seguem preservados em Campinas, e um encontra-se em um acervo na cidade de Carlos Gomes (RS).
Processo de restauração ⚙️
Interior do carro de passageiro após a restauração realizada em Campinas (SP)
Bianca Garutti/ g1
Em Campinas (SP), os carros passaram por uma série de restaurações até que pudessem ser liberados para passeio novamente. O mais recente ocorreu este ano, durou cerca de quatro meses e envolveu desde repintura até a recuperação de rodas, freios, sanitários, luminárias e estofados.
Segundo Hélio, a equipe trabalhou com fotos da época em que o trem funcionava no Brasil para reproduzir fielmente os detalhes do interior e exterior do carro.
“Agora, com as redes sociais, essas coisas acabam saindo mais dos acervos particulares, né? E o pessoal publica. Então, a gente viu a foto e eu entrei em contato com um membro da ABPF lá em Bauru. Ele conseguiu bastante dados pra gente”, explicou Hélio.
O integrante da ABPF explica que preservar as características originais do trem é essencial para preservar a história da locomotiva e conseguir transmiti-la para quem conhece o vagão pela primeira vez.
“Uma das características do nosso passeio aqui do Campinas-Jaguariúna é manter a integridade e a originalidade. E é uma regra também que tem que seguir devido aos tombamentos históricos. Então, a gente tem que seguir na íntegra a pintura, a logomarca, a classificação, tudo. Qualquer mudança em projeto tem que fazer um estudo, tem que pedir uma alteração pra poder fazer”, contou Hélio.
Aberto para passeio 👨‍👩‍👧‍👦
O vagão restaurado já está integrado ao tradicional passeio turístico Campinas-Jaguariúna, que parte da Estação Anhumas. A bordo, os passageiros podem ter a experiência de viajar em um dos carros históricos.
Segundo Hélio, durante o trajeto, os funcionários do trem explicam a história completa do vagão, além de trazerem relatos sobre a ferrovia e a diversidade de composições preservadas na estação Anhumas.
Serviço
Passeio de trem histórico
Local: Estação Anhumas
Endereço: Av. Dr. Antônio Duarte Conceição, 1501, Campinas
Quanto: A partir de R$ 55, pelo site oficial da ABPF
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