Artigos publicados no Brasil de Fato dão origem a livro sobre viabilidade da Tarifa Zero

O economista e professor aposentado da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Lafaiete Neves, acaba de lançar o livro “Tarifa Zero: De décadas de luta ao sonho possível”. A obra reúne textos publicados originalmente no jornal Brasil de Fato Paraná e aprofunda o debate sobre a gratuidade no transporte público, reunindo dados, experiências nacionais e argumentos acumulados ao longo de décadas de militância e atuação técnica.

Com forte presença em conselhos de mobilidade urbana, fóruns populares e espaços de elaboração de políticas públicas, Neves é um dos principais defensores da tarifa zero no país. Segundo ele, o modelo atual — baseado na cobrança direta da tarifa pelos usuários — agrava desigualdades e limita o direito de circulação da população trabalhadora e das periferias urbanas.

Em entrevista ao Brasil de Fato Paraná, o autor falou sobre o processo de construção do livro, os principais argumentos que defende na obra e a atual situação do transporte público em Curitiba — cidade que, segundo ele, se tornou símbolo dos impactos negativos do modelo tarifário vigente.

Brasil de Fato Paraná: Como surgiu a ideia de transformar os artigos em livro?

Lafaiete Neves – Há algum tempo eu tinha escrito para artigos para o Brasil de Fato que sempre foi um dos veículos de maior penetração popular e estes artigos tinham repercussão. Aí a equipe me pediu para escrever, depois de um tempo, uma série de 10 artigos. E eu assumi esse compromisso com a equipe.

Depois, me falaram que pelo material que já tenho, daria um livro. Apenas pode-se avançar em alguns outros tópicos que não se trata desse artigo. E aconteceu isso.

Qual é a principal reflexão que norteia o livro?

É possível a tarifa zero? Esta é a principal reflexão.  Então, vou explicitando que ela já existiu em torno de 90 cidades.  Se as outras cidades já tem tarifa zero, por que nós, no caso Curitiba, não podemos ter? E aí nasce toda uma discussão onde alguns diziam que a tarifa zero é difícil, porque não há recurso e os orçamentos municipais estão exauridos.

E como essa reorganização funcionaria, na prática?

Nós não estamos falando em acrescer gastos. Vamos partir do que existe.  Nos países mais desenvolvidos do capitalismo originário, o transporte sempre aconteceu, principalmente na segunda metade do século XX, que era uma obrigação da empresa.

O operário, trabalhador, quando sai de casa, entra no transporte coletivo nessas metrópoles industriais, a empresa pagava para ele o transporte porque ele já está à disposição da empresa. Se acontecer algo com ele, algum acidente, a empresa tem que cobrir. Não recebe o salário por aquelas horas que ele gasta em trânsito até hoje, mas ele já está à disposição.

Então, aí vem toda aquela luta no Brasil, em que o transporte ficou impossível para o trabalhador se deslocar e trabalhar, porque estava consumindo 30% da renda do trabalhador. E aí nasceu o Vale do Transporte, em 1987, no Brasil, com a lei Afonso Camargo.

Portanto, uma das reflexões parte da ideia do vale-transporte. E o que é o vale-transporte?  O empresário paga a maior parte do transporte e o operário paga 6%. E nós sempre questionamos isso. É um absurdo o operário ter que pagar para ir trabalhar. A proposta dele é boa, deve continuar, mas mudar a legislação federal, passar a ser uma legislação municipal. 

 Ele deve continuar e mudar a legislação federal, passar a ser uma legislação municipal. E aí as empresas, ao invés de recolherem, darão diretamente no cartão para o trabalhador usar. A empresa, portanto, passa então a recolher nos cofres da prefeitura como orçamento. Então essa é uma fonte que não pode ser abandonada.

BDF: Seus artigos e falas nos Fóruns sempre geraram muito debate. Este tema foi um deles.

Então, esse é um ponto que nasceu a discussão do livro. Foi interessante porque muitos até diziam que o que o operário quer não é ônibus de graça, ele quer mais ônibus no bairro.  Aí eu fiz um artigo e disse, escuta, vamos pensar melhor.

Primeiro, não vai ter mais ônibus no bairro, vai ter menos ônibus cada vez mais. Por quê? Porque esse modelo de cobrar a tarifa pelo número de passageiros faliu. Por que faliu?  Porque nós tivemos um impacto inflacionário, nós tivemos uma elevação brutal do preço do combustível, do óleo diesel, do biocombustível.  

E isso fez com que os contratos coletivos fossem sendo cada vez mais modificados por acordo entre Prefeitura e empresas de ônibus, como é o caso em todo o Brasil e Curitiba, inclusive por conta daquele contrato oriundo da licitação fraudada de 2009, que inseriu lá uma cláusula que é terrível que diz que tem que reajustar a tarifa a cada desequilíbrio econômico-financeiro que prejudica as empresas. 

 Acontece que ninguém sabe quanto a empresa gasta e ninguém sabe quantos passageiros usam o transporte coletivo de Curitiba, porque os dados estão defasados, a URBS só publica cada 4, 5 meses, então ninguém sabe qual é o custo e ninguém sabe qual é o número de passageiros.

O livro também reflete sobre o impacto do modelo em Curitiba. Como você avalia esse cenário?

 A tarifa de Curitiba era a 15ª do Brasil, em 1994 e para se ter uma ideia, nós tínhamos, 1.800.000 passageiros/dia transportados.  Depois desse contrato, Curitiba passou a ter a tarifa mais cara do Brasil, R$ 6,00, e despencou o número de passageiros, de 1.800.000 no início desse século, para 400.000 passageiros/dia. E as empresas apelando, dizendo que foi devido à pandemia.

O Tribunal de Contas desmascarou, fez duas auditorias e provou que não é foi pandemia. Foi a explosão do preço da tarifa e Curitiba passou a ter a tarifa mais cara do Brasil. Hoje só perde para aquele de Florianópolis, onde nós temos um movimento forte também, hoje, que é R$ 6,90. E, o livro nasceu disso, nasceu dessa discussão.

Capa do Livro “Tarifa Zero: de décadas de luta ao sonho possível”. Reprodução: Estante Virtual

SERVIÇO:

Título: Tarifa Zero: De décadas de luta ao sonho possível
Autor: Lafaiete Neves (Doutor em Desenvolvimento Econômico pela UFPR, professor aposentado de Economia pela UFPR)
Editora: Banquinho Publicações
Onde encontrar: À venda na Livraria Vertov e online pela Estante Virtual

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